O contrário da ansiedade não é a calma
E sua autoconfiança NÃO depende de você. Pedradas que talvez você precise ler para começar bem sua semana.
Eu sou uma pessoa ansiosa.
Não do ponto de vista romantizado pela internet, mas do ponto de vista patológico mesmo. Do ponto de vista: isso aqui realmente me atrapalha, me adoece e exige tratamento constante (e eterno).
E a ansiedade é engraçada porque ela nunca vem sozinha. A piranha sempre traz na mala uma penca de outras emoções, problemas e questões mal resolvidas, joga tudo pelo chão da sua casa e deixa lá para você arrumar sozinha.
Naturalmente, a ansiedade precisa sempre de uma atenção especial, o que inclui terapia, às vezes remédio, e uma estratégia constante para driblar o máximo possível situações que me façam voltar a um estado totalmente operante.
Dentre todas as estratégias existentes, eu ficava procurando coisas que me acalmassem, que me traziam “de volta ao centro”, pipipopopo. Yoga, chá, ervas, esportes, meditação, mindfulness, canabidiol, respiração pausada, tudo. Tudo.
Obviamente, nada nesse mundo era calmante o suficiente, especialmente enquanto eu estava imersa em uma crise.
E aí eu fazia o que qualquer pessoa doida da cabeça faz: começava a procurar justificativa em MIM.
Por que EU sou tão estragada? Por que EU não consigo me acalmar? Por que EU não consigo regular as minhas próprias emoções, especialmente o sentimento mais primitivo e natural de um ser humano: a ansiedade?
Porque sim, a ansiedade em si não é uma coisa ruim, ela é uma resposta biológica a situações de risco, ou seja, ela existe por uma necessidade evolutiva.
Eis que um dia, sentada na poltrona na frente do meu psicólogo, eu vomitava todas as perguntas possíveis, disparando 500 palavras por segundo, tentando entender onde estava o MEU problema e de que maneira eu poderia ser consertada.
Meu terapeuta, que me olhava em absoluto silêncio, se ajeitou na cadeira e soltou uma pedrada fortíssima:
“O problema é que você acha que o sentimento antagônico à ansiedade é a calma, e não é.”
Eu imediatamente parei de falar e fiquei estática como se alguém tivesse me dado um tapa de mão aberta na fuça.
COMO NÃO É A CALMA??? Não tem que meditar, fazer dança da chuva, respirar 50 vezes de cabeça para baixo?
“Não”, disse ele. E me voltou com a pergunta: “Qual é o contrário da ansiedade?”
A essa altura, eu, que já não sabia de mais NADA na minha vida, respondi um sonoro “SEI LÁ”.
E aí, ele soltou o fatality, a voadora, o tiro, porrada e bomba, seco, na minha cara, sem dó:
“O contrário da ansiedade não é calma, é a segurança. Você não está ansiosa porque te falta calma, você está ansiosa porque você não se sente segura no lugar onde você está.”
E aí caiu a ficha. Tal qual uma pedra na minha testa: eu, DE FATO, não me sentia segura no lugar onde eu estava.
E aí, as pecinhas foram se juntando. Eu comecei a refletir sobre as minhas piores crises de ansiedade. TODAS, sem nenhuma exceção, ocorreram quando eu estava em um trabalho, relacionamento, lugares ou situações em que eu não tinha segurança. Em que eu sabia que estava em risco de alguma forma.
Me ocorreu agora que, na prática, eu que gastei infinitas horas da minha vida trabalhando na minha autoconfiança e não me toquei do óbvio: eu nunca ia me sentir segura ou confiante o suficiente em lugares instáveis, ou me relacionando com pessoas erráticas e inconstantes.
Passei anos da minha vida - desperdiçando, naturalmente - meu precioso tempo de vida tentando regular a mim, quando, na verdade, o que eu precisava fazer era simplesmente me RETIRAR daquele lugar, situação, relacionamento ou trabalho.
Não existe autoconfiança nesse mundo que resista à pessoa que você ama gritando com você, ou desaparecendo por dias. Não tem autoconfiança que resista a uma pessoa que te fala uma coisa e faz outra, que tem um comportamento destrutivo.
A autoconfiança é, no fundo, multifatorial. Não adianta estar com a “terapia em dia” e estar em um relacionamento todo cagado. E vice-versa.
A coisa de que a autoconfiança depende TAMBÉM da confiança que o outro te dá, me quebrou demais.
Porque eu me toquei que essa lógica “coach” de “só depende de você”, além de ser uma bobajada neoliberal da porra, é a raiz de boa parte dos nossos desgraçamentos mentais.
Justamente porque ela nos coloca na condição de indivíduo CAPAZ de moldar o ambiente em que estamos inseridos, por mais cagado que seja, pela nossa mera vontade, pensamento positivo e autoconfiança.
Sim, claro, meu anjo de luz, basta você pensar positivo que as guerras acabarão amanhã. Basta melhorar sua postura que o seu relacionamento tóxico se tornará, magicamente, num conto de fadas. Ou seja, no fundo, a culpa é SUA.
Vamos juntos pular desse penhasco para ver o que acontece?? Quem sabe não é por isso que a gente está aqui, totalmente totó das ideias, batendo a cabeça na parede?
De coração abertíssimo aqui: autoconfiança de cu é rola. Positividade de cu é rola.
Toda autoconfiança vai pro caralho quando a barata voa, quando você ouve barulho de tiro, quando você desconfia que tem uma pessoa estranha dentro da sua casa ou quando metade da sua empresa é demitida.
Então, não, não depende SÓ de você. Depende demais do outro. Depende das condições apresentadas. Depende demais do ambiente. Depende demais das atitudes do outro em relação a você.
E aí, olhando para trás e analisando todas as cagadas que aconteceram, fica a dúvida:
A gente é mesmo quebrado, de fábrica, ou quebraram a gente pelo caminho?
Boa semana.
caralho, gostei demais! bell hooks fala sobre isso em “tudo sobre o amor”, sobre como o amor próprio nasce coletivamente, e não na solidão.
eu amei que vc foi ficando com mais ódio com o passar do texto. 10/10