Eu estava errado e você não tem que me perdoar
Anjo, todo mundo tem uma família. Às vezes, a família é aquela do comercial de margarina. Às vezes é um conjunto de arrombados geneticamente parecidos.
Tenho visto histórias de pessoas que romperam total ou parcialmente com familiares ou pessoas muito próximas. Seja por uma briga pontual, seja por uma sequência infinita de abusos e violências (sexuais, psicológicas ou físicas - ou todas juntas).
E isso me faz pensar muito sobre perdão e nossos laços familiares.
Quem olha de fora pode achar muito radical a postura de romper com um familiar, afinal, família é família, né?
É, então…
A gente tem um raciocínio muito induzido pelo cristianismo de que o perdão te liberta, te traz paz e purifica a alma… Será? Não quero entrar no mérito da religião de ninguém, mas queria te lembrar que você não é Jesus Cristo.
E, veja, eu não sou uma pessoa rancorosa nem nada, mas também não dou lado para otário. Ou seja, se a pessoa fez uma merda menor e ela sumir da minha vida, eu nem lembro que ela existe.
Aí você pode me falar: “AIN, MAS ENTÃO NÃO É PERDÃO”. Tá bom. Mas me deu paz. Nunca mais ver a pessoa me dá uma paz terrível.
Eu sigo em frente, não desejo o mal e não planejo vingança tal qual uma vilã de HQ.
Só não quero nunca mais ter contato com a pessoa. Se isso não é perdão “tradicional”, isso é o mais próximo que EU sou capaz de chegar. E estou perfeitamente satisfeita com isso.
Não tenho a menor intenção de fazer cosplay de Jesus Cristo e, de novo, não dou lado para otário.
E aí eu volto à questão da família.
Tem gente arrombada em todo canto. O problema é que às vezes o arrombado em questão partilha o sangue com a gente e isso torna a história mais complexa do que simplesmente esquecer a existência da pessoa. Eu sei.
E, apesar de não ter nenhum grande arrombado que eu precise chamar de família, eu tive minhas questões com pessoas próximas que me fizeram mal de verdade.
Estou falando de pessoas que me quebraram de modo irremediável, que alteraram minha maneira de ser e de ver o mundo. Pessoas que, eu, infelizmente, não vou conseguir apagar do meu cérebro.
E eu escrevo a frase a seguir com o meu coração leve e com toda a paz do mundo:
Eu nunca vou perdoar.
Não tem ódio, não tem desejo de vingança, não tem nenhuma vontade escondida de botar uma fantasia de plástico e virar uma vingadora da Marvel. Não tem rancor me corroendo por dentro. Nada disso.
É que tem certas coisas que caem na categoria do imperdoável e essa palavra não existe à toa.
Se o outro te feriu de forma deliberada e consciente, você não tem a obrigação de fazer melhor para se provar “superior”. Isso não vai fazer você se sentir melhor. E a questão familiar é tão delicada justamente porque as pessoas que a gente mais ama no mundo são as pessoas que mais nos machucam.
E eu não estou falando de erros que seus pais cometeram quando você era criança, ou com aquele presente de Natal que você não ganhou, tá? Estou falando de feridas abertas que sangram a vida toda.
Existem violências tão profundas que nos retiram tudo, inclusive a capacidade de conceder perdão. Quando tiram um pilar da sua existência, ninguém pode exigir de você uma capacidade que você nunca teve a chance de desenvolver.
Mas eu, obviamente, não estou aqui para cagar regra sobre a sua vida. Se você é CAPAZ de conceder o perdão e isso vai te fazer bem, vai fundo.
Meu ponto aqui é: você não precisa.
Você não é obrigado e, mais importante que isso: perdoar não necessariamente vai te libertar da sua dor. Perdoar não vai deixar, necessariamente, seu caminho mais fácil.
Talvez - só talvez - perdoar signifique você passar por cima da sua própria dor; talvez signifique você invalidar suas feridas em prol de alguém que sequer se arrepende de ter te ferido.
E, apesar de parecer que não, você tem a escolha de não perdoar. Você tem a escolha de romper sem olhar para trás com quem quer que seja, incluindo um familiar.
A convivência não é um direito garantido, é um privilégio.
Se seu pai é violento; se sua mãe é incapaz de aceitar a sua individualidade; se sua avó é uma megera; se seu irmão fez da sua vida um inferno… por que raios você está concedendo o privilégio da sua presença para esse povo?
Porque é família e família tudo aceita e tudo se perdoa? Cria rumo, bicho. Que papo mole de novela com oito, com lição de moral embutida. Eu hein.
Meu palpite é que essa galera não te ama. Eles usam você e mantêm por perto por pura conveniência ou culpa. E se você tem dúvidas, experimente colocar limites nessas relações, depois volta aqui e me conta o que aconteceu.
“Ain, Bea, mas é família.”
Anjo, todo mundo tem uma família. Às vezes, a família é aquela do comercial de margarina. Às vezes é um conjunto de arrombados geneticamente parecidos. Você não escolheu a sua família, mas isso não significa que você não tem a possibilidade de ir embora, caso isso faça sentido para você.
A escolha do que fazer com o que fizeram de você é toda sua. Perdoar ou não perdoar. Conviver ou romper laços. Isso é seu caminho e nenhum deles é fácil.
Só não deixe ninguém tirar a autonomia de escolher o que é melhor pra você em nome de um suposto amor que você nunca recebeu.
Bom final de semana.
É um alívio poder dizer que família a gente escolhe, sim. Laço sanguíneo e laço afetivo são duas coisas muito diferentes e que nem sempre andam juntas. Isso dói mas também liberta.
Bia, estou amando seus textos! Uma pedrada atrás da outra (e bem dadas, inclusive, obrigado por isso).
Fico feliz de saber que está viva (e espero que bem também, na medida do possível)
Ainda estou inscrito no teu feed do Patada de Pantufas na discoteca sueca, caso volte estarei escutando. ☺️
No mais só dizer que desisti do IG recentemente e do twitter desde que virou "X" e que este perfil não tem meu nome real pq rede social é a cabeça do meu pau (abro uma exceção para esta aqui por ti).
Um abraço acalorado de um pantufer seu.
PS: uma coisa com "P" que eu gosto: Paz